"GUERRA DA BIO-MÁFIA" NA AMAZÕNIA

RELATO DA INVASÃO POLICIAL, DO CONFISCO E DA BATALHA JUDICIAL DE QUASE 8 ANOS PARA A RECUPERAÇÃO DAS TORRES DE PESQUISA E DO ACERVO ENTOMOLÓGICO DO MUSEU NATURALISTA DO AMAZONAS.

By Shoji Hashimoto

Foto: A foto comemorativa da inauguração da Torre de Observação. Ã direita e atrás é o autor. A sua frente está a filha, que hoje cursa 3o. ano universitário。

Foto: A foto comemorativa da inauguração da Torre de Observação. Ã direita e atrás é o autor. A sua frente está a filha, que hoje cursa 3o. ano universitário。

Era verão de 2.001 quando - há quase oito anos - havíamos concluído a construção e instalação das torres de observação "AMAZON-TOWER I e II", e nos preparávamos para iniciar pesquisas com o objetivo de desvendar a vida de AGRIAS (espécie de borboleta amazõnica), este que sempre fora o sonho da minha vida na Amazõnia. Fiquei sem ação, como se fosse uma lagarta atacada pela vespa, no embate pela sobrevivência!

Explicando melhor: sou fundador e atual presidente da Associação Naturalista do Amazonas, e também administrador do Museu de Ciências Naturais da Amazõnia. Naquele ano, sem nada saber, eu fora denunciado à Polícia Federal como contrabandista de insetos, por pessoas inescrupulosas, interessados no confisco das torres e do acervo de invertebrados do Museu. Por essa razão, fui alvo de devassa e da truculência policial, sendo tratado como um criminoso e submetido a prisão arbitrária, seguindo-se o confisco das torres, dos equipamentos e do acervo do Museu, sem a mínima possibilidade defesa ou reação, tal qual a lagarta, paralisada pelo veneno da vespa.

Passaram-se longos oito anos e, graças à colaboração e o apoio de muitos amigos, consegui sair daquela situação horrível e reaver as torres e o acervo confiscados. Agora, desejo relatar a história, para que todos saibam a verdade deste caso.

Capítulo I    O INESPERADO

Eles apareceram naquela selva por volta das 2 horas da tarde de 16 de agosto de 2001. A fila indiana composta por quatro homens, eu observava segurando uma balde contendo pedaços de banana fermentada na mão esquerda, e uma rede de proteção contra insetos na mão direita. Um homem branco, de porte físico avantajado e aparência militar encabeçava a fila, empunhando um revolver calibre 38 de fabricação brasileira, exibindo o distintivo na sua mão esquerda. Ao se aproximar ele me disse: "É a Polícia Federal. Você é Hashimoto?" Ao seu lado estavam um sujeito mal encarado de camisa colorida, um outro mais baixo com característica postura de um funcionário público e, por último, um jovem com sorriso cínico estampado no rosto, carregando em seu ombro uma câmara de TV.

" Sim" , respondi. Realmente, eu me chamo SHOJI HASHIMOTO, sou imigrante japonês e fundador do Museu de Ciências Naturais da Amazõnia. Não é raro encontrar assaltantes no Brasil. Mas, esse pessoal não parecia ser desse tipo. Então, o quê estaria fazendo aquele Grupo - formado por paramilitares e agentes públicos, além de um profissional da mídia - nesta selva distante, há mais de 40 km de Manaus?

O interesse do grupo não era com a selva, claro. Era comigo! Aparentemente perceberam que o japonês de 1,65m com as duas mãos ocupadas carregando uma balde com banana podre e uma rede, não tinha nenhuma intenção de reagir à abordagem. O líder militar guardou o revolver no seu coldre e perguntou novamente: " O que você está fazendo neste lugar?" O português desse nível eu posso entender. - " Pesquisa" , respondi.

A expressão difícil do militar não mudou e disse rapidamente alguma coisa que eu não consegui entender. Estou no Brasil há 26 anos. Meu " português" até pode impressionar os turistas estrangeiros que visitam o museu, mas, na verdade, é muito pobre. Contudo, estou começando a perceber que a situação não era normal. Minha boca estava secando rapidamente...

pic : tower arrived (1999)

Em outubro do ano anterior, eu havia trazido para esta selva uma torre de comunicação modificada para a observação de insetos, fabricada pela Indústria de Torres AICHI, do Japão, ao custo de algumas dezenas de milhares de dólares. É claro que estava tudo legal, devidamente acobertado por documentação que respaldava uma legítima operação de importação. Esta torre, diferentemente de outros equipamentos similares tradicionais, é uma inovação formidável porque, ocupando o espaço de apenas um metro quadrado em sua base, atinge a altura de 40m através de acionamento elétrico. Já as outras normalmente possuem dimensão de 5m de cada lado, portanto, sua instalação obriga à indesejável derrubada de muitas árvores ao redor, afugentando grande parte dos espécimes de insetos das cercanias.

Com a instalação da torre podíamos alcançar o topo das árvores, possibilitando a observação por inteiro, da copa ao tronco, simultaneamente, o que até então, era impossível. Ou seja, ao invés da observação de plano, esse equipamento possibilitava observar tridimensionalmente a floresta. É, portanto, a torre dos sonhos para os pesquisadores aficionados, na medida em que facilita o achado de espécies novas de borboleta, desde que se permaneça em observação durante pelo menos uma semana.

pic : a tower bulid in Jungle(1999)

Tudo é moroso nesta terra Só pela dificuldade de se trazer energia elétrica a este ponto da selva, já havíamos perdido mais de meio ano. Depois disso, finalmente o alento com a recente chegada da energia. Foi nesse contexto que, naquele fatídico dia de agosto de 2.001, juntamente com meu amigo e assistente, NAKASHITA, eu me ocupava com a manutenção da torre ao mesmo tempo em que cuidávamos de renovar a isca (massa de banana apodrecida) que atrai os insetos para observação.

Minha resposta "pesquisa" pareceu não satisfazer o suposto policial federal, pois o mesmo continuou falando algo, mas eu não conseguia entender nada. Minha nova resposta, agora, foi: "Não entendo"; ao que os policiais, certamente decepcionados com minha baixa capacidade lingüística, passaram a interrogar meu Assistente. Ocorre, porém, que Nakashita veio a se tornar meu assistente há apenas alguns meses, depois de deixar o cargo de oficial de navegação que ocupava num petroleiro de 100 mil toneladas. Portanto, o "português" dele é pior que meu.

Enquanto isso o jovem "camera-man", sem nossa autorização, está gravando nossos rostos e, com aquele sorriso cínico, pergunta repetidas vezes: "captura?", "captura?"... Parecia até aquele repórter do filme "Duro de Matar", estrelado por Bruce Willis. - Mas, que cara chato, pensava eu...

Eu continuei dizendo: "não entend!". Ainda bem que, naquela ocasião, eu não sabia o significado da palavra "captura". Sou fraco em idioma estrangeiro, mas, nunca digo "sim" quando não entendo. Quem vive na América do Sul se acostuma a sentir na pele o perigo que isso traz. O sorriso vago nunca! É sempre mais conveniente dizer "NÃO", quando não se entende algo.

Depois de quase 30 minutos de frustradas tentativas de nos interrogar, os policiais aparentemente perceberam que seria perda de tempo continuar. Então, resolveram nos intimar a comparecer na Superintendência da Polícia Federal Manaus/AM, a todo tempo repetindo a expressão: BIOPIRATARIA!; BIOPIRATARIA!... "BIO", como se sabe, significa vida, e PIRATARIA já ouvi muitas vezes em noticiários televisivos, que se refere ao apossamento clandestino de obras intelectuais ou artísticas, especialmente a reprodução ilegal e difusa de CD's e DVD's.

Portanto, este raciocínio me levou à conclusão de que "BIOPIRATARIA" significa contrabando de seres vivos! Mas, - pensava eu - deve haver algum mal entendido; e se for realmente um equívoco, deverá ser resolvido com facilidade; assim, concordei em acompanhar os policiais até a sede Polícia Federal. Mas, eu estava completamente enganado! O equívoco era meu, não da Polícia! Eu nem desconfiava de que na verdade estava sendo preso, e não podia imaginar que estava apenas começando a "Guerra dos Oito Anos".

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Capítulo II A SUSPEITA DE CONTRABANDO

Em 1993, o Brasil adotou severas restrições à captura de insetos e à coleta de vegetais da natureza, que até então era livre. Por exemplo, aqui na Amazõnia, a não ser que se obtenha uma licença especial, não é permitida a captura de insetos ou a coleta de exemplares vegetais. Quem desobedece à lei, será enquadrado criminalmente, por isso, é muito freqüente a detenção de estrangeiros que, na suposição de que "sendo pouco, ninguém percebe", são invariavelmente interceptados pela fiscalização no aeroporto e levados à cadeia.

O sistema de detecção instalado no aeroporto (através de Raios X) consegue detectar não apenas objetos metálicos, mas também minúsculos bichinhos medindo menos que 5 mm, identificando até mesmo pequeníssima quantidade de água contida no seu corpo. Consegue detectar até uma pequena borboleta enrolada no lenço de papel e colocada no fundo do seu bolso. Por isso, há mais de dez anos, venho alertando sobre esse tipo de atitudes, diante das consultas vindas do Japão ou na minha web site.

A rede que eu portava na selva tinha a finalidade de capturar as borboletas, instalar minúsculo transmissor no seu corpo e soltá-las. Para tanto, adquiri na minha última viagem ao Japão um tipo de transmissor e receptor chamado de "telemetria". É aquele chip de rádio comumente utilizado nos documentários com pequenos animais. Contudo, isso acontecia nos filmes, com grandes besouros ou lagartos. Acredito que, àquela altura, eu era único no mundo que pensou em aplicar a tecnologia no pequeno corpo de borboletas. Na verdade, essa idéia não foi possível se concretizar por causa do excesso de peso, em relação à massa corpórea das borboletas. Enfim, eu imigrei na Amazõnia para realizar meu sonho de pesquisar a vida de borboletas da espécie agrias, utilizando a "telemetria" e a torre de observação.

Essa é a verdade real, porém, a Polícia Federal brasileira preferiu acreditar na falsa denúncia de biopirataria. Assim, fomos conduzidos àquela repartição policial, eu e meu assistente Nakashita, sendo também levado o veículo de minha propriedade. Em princípio não se tratava de uma detenção, e sim, de simples comparecimento para prestar esclarecimentos sobre o caso. Durante o trajeto, no interior do carro da polícia federal, ninguém falava nada e, portanto, eu não tinha a idéia do porque da acusação de biopirataria contra mim. Logicamente, junto à torre na selva havia uma gaiola para insetos, e nela foi encontrado apenas um pequeno besouro do tamanho de meia unha. É um inseto muito comum nesta área (como uma mosca doméstica que voeja nas residências), que havia entrado na gaiola por si mesmo. Por este motivo, acredita eu ser insuficiente para justificar tal acusação, e raciocinava: o que será que esse pessoal está tramando? Pensando nestas coisas, logo estávamos chegando à sede da polícia federal, um prédio grande e branco, próxima ao aeroporto de Manaus.

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A extensão territorial do Município de Manaus - a capital do Estado do Amazonas - é cerca de oito vezes maior que todo Japão. Não é uma cidade turística, e não estarei mentindo se disser que como ponto turístico possui apenas o Teatro Amazonas, construído na época áurea do ciclo de borracha, o nosso Museu de Ciências Naturais da Amazõnia e o Mercado Municipal Adolpho Lisboa, onde é possível conferir produtos agrícolas e os pescados do Rio Amazonas e seus afluentes. Afora isto, não há muitos locais interessantes.

Illustrated Map

Quando cheguei aqui, a cidade de Manaus possuía apenas 600 mil habitantes. Hoje, na virada do século, tornou-se uma metrópole. Isso aconteceu graças à instalação do chamado Pólo Industrial da Zona Franca, que se desenvolveu sob influência da política de incentivos fiscais para a região, definida pelo Governo do Brasil no ano de 1967. A partir desse modelo econõmico se fez introduzir na região grandes projetos industriais, e numerosas fábricas provenientes dos países desenvolvidos. Quanto ao nosso museu, que na época de sua fundação se situava na periferia da cidade, hoje, com o crescimento da metrópole povoada por quase dois milhões de habitantes, o local ficou cercado por conjuntos residenciais, sendo o seu bosque natural uma das poucas áreas nativas restantes na cidade.

A superintendência da Polícia Federal - construída a partir do seu modelo congênere, a FBI norte-americana - se localiza dentro de uma área residencial nova, do outro lado da cidade em relação ao local de situação do nosso museu. Ali se realizam os procedimentos de investigação federais, compreendendo vasto leque de competência que abrange, além dos casos criminais ambientais, a repressão aos crimes cuja repercussão ultrapasse as fronteiras interestaduais e, ainda, o controle de entrada e saída de estrangeiros. Chegamos à sede Polícia por volta das 5 horas da tarde, levando cerca de uma hora o deslocamento de onde fõramos abordados. Ali, fiquei sabendo que o policial que nos conduziu tratava-se do AGENTE HELDER, aparentemente o seria responsável pelas investigações e operações relacionadas à proteção do meio-ambiente.

Fomos levados a uma das salas, para interrogatório, que começou com perguntas rotineiras, como, por exemplo, confirmação dados pessoais (nome, local e data de nascimento, ano de chegada no Brasil e endereço atual, etc.). Somente ai fiquei sabendo que outras pessoas foram também levadas à Polícia, inclusive minha esposa e amigo ISHIZAWA, que também era o diretor do Museu. Constatei, então, que o pessoal da Polícia Federal começou a descarregar de um caminhão, diversas caixas plásticas contendo os insetos que compunham todo o acervo do museu, sendo tudo confiscado e amontoado nos corredores.

Ishizawa é um imigrante que veio da Província de Yamagata, Japão, aos sete anos de idade. Portanto, entende bem a língua portuguesa. Ele disse: "Disseram que é suspeita de contrabando de insetos". Ah, então era isso! Mas, os insetos que trouxeram e amontoaram aqui no corredor, são exemplares que capturamos na época inicial do museu, e naquela época os regulamentos eram outros, não era uma prática ilegal, mas, pelo contrário, havia sido autorizada pelo órgão competente, na época (1989) o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), hoje extinto e sucedido pelo atual Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.

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"Não podem me enquadrar por biopirataria, pensei comigo mesmo. Pouco a pouco, meu cérebro estava saindo do estado de síncope, mas, na verdade, eu não percebera ainda a real gravidade da situação. Por volta das 18:30 horas, portanto quase uma hora e meia depois da nossa chegada, veio à sede da polícia federal o Cõnsul Geral do Japão, Senhor Kobayashi, trazendo consigo um intérprete e, também, um advogado brasileiro. O cõnsul já sabia, com muito mais detalhes, da acusação de biopirataria contra minha pessoa. Disse-me ele que o assunto fora noticiado com destaque no telejornal local das 18:00 horas. Porém, eu não sabia nada disso.

Fiquei sabendo, mais tarde, que um amigo da Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas assistiu ao noticiário e comunicou imediatamente ao consulado e ao advogado, temendo que eu fosse preso, mesmo sem culpa, coisa muito de acontecer neste país. O cõnsul-Geral deixou um funcionário para me servir de intérprete, e devo confessar que foi realmente muito útil. Também fiquei sabendo depois que a Polícia iria me manter detido de qualquer jeito, com ou sem a a presença daquelas pessoas que me assistiam.

O verdadeiro interrogatório começou por volta das 7 horas da noite, desta vez comandado por um Delegado Federal, de nível hierárquico superior aos policiais que haviam conduzido. O nome desse delegado é NIVALDO FARIAS, um rapaz moreno, típico burocrata, ostentando enorme barriga. Este novo interrogatório não foi nada objetivo, deixando-me bastante decepcionado. Na falta de questionamentos pertinentes ou relevantes, o delegado a todo tempo indagava sobre um recibo de compra de um pirarucu (maior peixe dos rios amazõnicos) empalhado, confiscado do museu, e repetia: "Este preço é demasiadamente caro. Você deve ter enviado este, escondendo os insetos no interior do corpo de pirarucu". Que brincadeira! E de mau gosto.

O pirarucu é uma espécie protegida pela legislação, inclusive pelo Artigo 2º do Tratado de Washington. Mas a proibição refere-se à captura em determinada época do ano, à pesca predatória com finalidade comercial, em prejuízo da reprodução. Ou seja, fora daqueles períodos a pesca é regular, o peixe é livremente comercializado nos mercados e feiras da cidade, sendo também permitida a captura para fins de estudo. Este era o caso do pirarucu empalhado, confiscado ao museu, que tinha fim de estudo; quanto ao recibo questionado pelo delegado, era referente a uma operação legal, devidamente acobertada licença de exportação para um aquário da Espanha. Portanto, pensei comigo, dizer que "no seu corpo havia insetos escondidos", era sinal de que a Polícia não possuía qualquer prova das absurdas acusações. Eu disse a eles: "Sou o único no Amazonas que consegue empalhar um pirarucu com mais de 2m de comprimento. O preço alto se deve à alta qualidade do meu produto. É o mesmo que escolher uma motocicleta da marca Honda. Por que eu iria vender insetos para um aquário? É só verificar."

Sentia-me bastante confortável em ter a meu lado um intérprete de alto nível, disponibilizado pelo Consulado japonês. O interrogatório consistiu em perguntas feitas em português pelo Dr. Nivaldo, sendo traduzidas para o japonês pelo intérprete; e minha resposta, igualmente, era transmitida em português ao mesmo delegado. Assim, um item que normalmente levaria um minuto, tinha a duração de cinco ou até mesmo dez minutos. Passados cada período de meia hora, Nivaldo voltava às mesmas perguntas, assim repetidas vezes. Talvez ele considerasse uma boa técnica de interrogatório. Logicamente, às mesmas perguntas, minhas respostas também as mesmas. O tempo foi passando. Parece que sentiram fome. Pediram uma pizza e comeram. Naturalmente, não pediram a nossa parte. Nós, eu e Nakashita, comemos o frio bolinho de arroz que tinha sobrado do nosso almoço.

Amazon Local Newspaper

Local newspaper article breaking the news of the incident.

Naquele dia, a Polícia mobilizou cerca de 20 (vinte) agentes para investigar e executar ações de busca em quatro lugares, simultaneamente, inclusive no museu e na minha residência. Do museu, haviam confiscado quase tudo, enorme quantidade de material (insetos, câmara de vídeo, computadores, muitos papéis), como prova do suposto crime. Em minha residência e na do amigo Ishizawa, nada conseguiram.

Nas operações de busca e apreensão é necessário confeccionar a relação dos itens confiscados, discriminando item por item num documento chamado Auto de Apreensão. Assim, procederam à elaboração desse documento registrando o nome e a característica de cada item, pedindo o consenso da minha parte com ajuda do intérprete. Em quanto isso o interrogatório continuava paralelamente. Já passava da meia-noite quando o delegado Nivaldo sugeriu continuarmos no dia seguinte. Acho que ele queria ir para casa. Eu disse: "Não. Pode continuar até amanhã de manhã". É normal passar a noite quando se joga mahjong. Eu sou bom jogador de mahjong!.

Quando o dia começou a clarear, já demonstrando muito mais cansaço do que eu, o delegado Nivaldo ordenou: "Volte amanhã para conferir a relação dos itens apreendidos" e, assim, me liberou e encerrou a sessão de interrogatório. Ao ver seu rosto, percebi o real significado daquela investigação compulsória. Mesmo não tendo nenhuma prova concreta, estendiam a minha detenção em flagrante, pois, através do interrogatório, pensavam conseguir minha confissão, certamente aproveitando a instabilidade emocional da minha parte. Aparentemente, essa é uma estratégia que se costuma utilizar na polícia brasileira.

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Capítulo IIIO INIMIGO INVISÍVEL

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No dia seguinte - 17 de agosto, por volta das 10 horas da manhã o Diretor do Museu - Ishizawa - chegou com um monte de jornais, os principais da região. Todos, conforme se imaginava, traziam em destaque a matéria, baseadas unicamente nas informações divulgadas pela Polícia. Além dos jornais da região, até um jornal em japonês publicado em São Paulo-SP também mencionou o caso, incriminando a minha pessoa. Assim, meu nome e o nome do museu, ficaram conhecidos por toda a comunidade nikkei do Brasil inteiro, como se tratasse de um grande bandido.

à tarde do mesmo dia fui convocado para ir até o local da torre, a fim de identificar e conferir o material apreendido. A relação incluiu diversos equipamentos, tais como, a própria torre que se achava instalada no meio da selva, os instrumentos de medição de temperatura e da umidade, o pluviõmetro, além de diversos outros inventados por mim. Tais equipamentos, normalmente eram deixados no próprio local, razão pela qual, próximo à torre era colocada uma placa de advertência: "ALTA TENSÃO - PERIGO!" ilustrada com a imagem de uma caveira. Era uma forma de evitar ou prevenir que roubassem as coisas, já que brasileiros têm muito cuidado ou medo da eletricidade. No local encontrei, além dos policiais, um funcionário do Instituo Nacional de Pesquisas da Amazõnia - INPA, o qual parecia ser eletricista, pois estava munido de um multi-teste. Ele perguntou-me algo, apontando para placa. Eu disse: "É tudo falso. É mentira", ao que o eletricista esboçou um sorriso maroto.

Nesse dia havia ido com o meu carro até a sede da polícia federal, e de lá para cá no carro deles. Tão logo terminado o trabalho, retornamos a Manaus, e em seguida voltei a minha casa, me perguntando a todo tempo: O que era aquela algazarra toda de ontem? É tão simples, assim? Chegando em minha casa, vários amigos do Brasil inteiro estavam telefonando, preocupados com a situação. Ficaram surpresos, pois pensavam que eu estivesse preso na Polícia Federal. Eu havia me tornado uma celebridade, com a repercussão do noticiário, desde de Manaus, passando para os grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, até no extremo sul do território nacional.

No terceiro dia do acontecido (18/08) fui procurado pela Polícia através de telefonema. Mas, a partir dessa chamada comecei a sentir algo de anormal no meu telefone. Ao atender a uma chamada vinda do Japão (de um amigo que ficara sabendo do caso e preocupado), ao começar a falar, ouvi um barulho estranho, um zunido típico de microfonia (piiiiihhh...) no aparelho, ao mesmo tempo em que se reduziu o nível de sinal de voz. Ao tentar continuar, entra na linha outro ruído: "puuuunnn.". No dia seguinte, ao ver no noticiário do jornal um caso de corrupção praticada por uma secretária de um deputado estadual, no qual a Polícia utilizara a interceptação telefõnica para conseguir a prisão dos envolvidos, fiquei convencido de que também eu estava sendo monitorado. Então, a partir desse dia parei de falar sobre o caso ao telefone, do museu e da minha residência. Porém, ao mesmo tempo me preocupava. E agora?. O que vou fazer? O caso ainda está em investigação, e nem fui preso. Não posso discutir com o advogado a estratégia judicial. Os equipamentos foram todos confiscados, inclusive os que estava no museu. Não posso telefonar para ninguém. Não restava nada a fazer...

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Em Manaus operam atualmente pouco mais de 40 empresas de origem japonesa, empregando cerca de 1500 nipõnicos e descendentes. Há uma entidade chamada Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira do Amazonas que congrega as empresas de capital japonês e outras, pertencentes à comunidade nikkei, inclusive a minha empresa, entidade esta que tem por objetivo estreitar o relacionamento e a troca de informações. Não há nenhuma relação com as atividades do museu, ou nenhuma relação de negócios. Porém, entre os expatriados (enviados) destas empresas japonesas, encontram-se alguns personagens muito interessantes, o que torna o relacionamento com eles muito divertido e prazeroso. Assim, aceitando o conselho do advogado de que talvez fosse melhor não permanecer no museu, comecei a freqüentar o escritório dessa entidade, tomando o café ou lendo os livros japoneses da sua biblioteca, ou, ainda, conversando com os funcionários do escritório e outros associados. Talvez seja difícil acreditar, por minha aparência, mas, eu sou, na verdade, bastante sociável.

Mesmo após a repercussão das notícias mundo afora não houve alteração na visitação de turistas ao museu, em sua maioria composta por pessoas de fora do Estado, ou de outros países, incluindo os do Japão. Confesso que fiquei aliviado. Isso garantia um meio de sobrevida, pois, como tenho a esposa e três filhos, nem poderia pensar em ágrias (borboleta amazõnica) ou na torre de observação, caso diminuísse o número de visitantes.

Daí em diante, a polícia solicitou a apresentação de documentos de importação da torre, e também os documentos de aquisição de armas encontradas no museu e confiscadas, sem outras novidades. No final daquele mês, de surpresa recebi por fax uma intimação emitida pela Câmara Municipal de Manaus. O motivo era que a CMM pretendia discutir o fechamento do meu museu, em atendimento à exigência da voz do cidadão. Situação bizarra, pois nem sequer havia um processo judicial formalizado, mas, apenas uma investigação policial em curso.

Caso houvesse se iniciado uma ação judicial eu poderia até, ao final, ser considerado culpado pela justiça; porém, teria tido o direito de me defender, coisa que não acontece no âmbito da investigação policial, que se caracteriza como um procedimento inquisitório, ou seja, não existe a possibilidade de defesa, que somente se realiza durante o processo judicial. Contudo, eu não estava preso nem processado judicialmente, daí o absurdo! Como imaginei, a CMM decidiu não abrir o inquérito contra mim. Posteriormente fui informado de que a desistência da CMM se deveu à contestação levantada por vereador que me conhece, como também conhece as atividades lícitas desenvolvidas pela Associação Naturalista e pelo Museu de Ciências Naturais. Mas, no Brasil, às vezes acontecem coisas inimagináveis no Japão.

Ãs vezes a sorte passa para nosso lado. Alguém me informou que a "voz do povo" partiu de um pequeno grupo de cinco pessoas que inclui um descendente de japonês. Meu instinto me disse: "É esse pessoal que me acusou de contrabandista à polícia Federal!" E esse mesmo grupo, ao constatar a normalidade da minha vida após acusação, sem a diminuição das visitas ao museu, tentou um novo ataque almejando cortar meu meio de ganha-pão. Mas, quem são eles? Há um nikkei envolvido? Tal qual o título de um livro escrito por um velho amigo jornalista japonês, os japoneses são chamados de GARANTIDOS na Amazõnia. Isso demonstra a alta confiabilidade depositada em japoneses. Um "japonês" que deveria ser confiável no conceito popular, estaria envolvido numa trama para me incriminar? Eu não queria acreditar. Sei que há rivais de trabalho, mas, não a ponto de jogar sujo como nesse caso. Nem imagino quem seja.

Eu não tenho medo de piranhas, de candirus ou tarântulas, nem de cobras venenosas. Mas, não é nada confortável quando o inimigo é invisível e você nada sabe nada sobre o mesmo. Assim, comecei a usar para locomoção, uma camionete com pára-choque reforçado, mudando sempre o trajeto para Câmara de Comércio e Indústria Nipo-Brasileira, e me habituei a não andar sozinho por aí. Afinal, já ouvi comentários de que, nesta terra, por apenas US$ 3000,00 se consegue contratar um matador.

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Capítulo IVA TORRE E O AMIGO

Passou-se o mês de setembro, veio o outubro e nada de ação da Polícia Federal. A suspeita que pesa sobre mim é de haver infringido a Lei de Proteção ao Meio Ambiente. Além disso, houve também a acusação de posse ilegal de arma e a suspeita de ilegalidade sobre a origem de dez mil dólares encontrados no cofre da minha residência. Contudo, tais suspeitas eram infundadas, pois eu possuía o Certificado de Registro da minha arma (uma espingarda velha mantida no museu como peça decorativa), assim como e expliquei e comprovei a origem do dinheiro, como sendo parte dele do capital de giro dos meus negócios e outra parte pertencente a minha esposa.

Se, mesmo assim, continuava a desconfiança da Polícia, bastaria que me só processassem na Justiça, onde eu teria a oportunidade de defesa. Ora, segundo informação do advogado, nada fora detectado capaz de justificar que a Procuradoria Federal promovesse uma ação penal. Porém, aqui é diferente do Japão. È comum que, independentemente a existência de um processo em andamento, os funcionários se afastam do serviço em gozo de férias ou de licenças, enquanto isso andamento dos processos vão se arrastando indefinidamente. Isso não causa surpresa alguma, e nessa marcha, sem que houvesse instauração formal de um processo, já se passara meio ano, desde o início da história. E eu, continuava a rotina de tomar o café e ler os livros japoneses na Câmara de Comércio e Indústria. Ã tarde ligava para algum amigo, combinando o jantar em algum lugar. Como eu não bebo, e sem ter muito o que fazer, cuidava em poupar algum dinheiro que seria destinado às pesquisas. Era muito mais agradável sair com amigos do que ficar pensando no assunto. Ãs vezes, até eu mesmo cozinhava para os convidados, pois, também este é um dos hobbies que me agradam.

Todos os dias pareciam uma festa e, assim, acabei fazendo novas amizades com nipõnicos e brasileiros. No Brasil não é difícil obter novos amigos, e através deles, sem qualquer intenção da minha parte, as informações foram chegando aos meus ouvidos; as partes do quebra-cabeça foram se juntando...

Nesse processo, absolutamente casual, chegou ao meu conhecimento que alguns pesquisadores INPA (http://www.inpa.gov.br) cobiçavam as minhas torres. Pensando bem, no dia seguinte à realização da busca policial, quem estava fazendo a lista de itens confiscados era um técnico do Departamento de Entomologia do INPA. Na ocasião, pensei simplesmente que pelo fato de o pessoal da PF não conhecer tecnicamente o assunto, fora chamado para executar a elaboração da lista. Também lembrei que, certa ocasião um PHD nissei especialista em copas da floresta, que encontrei por acaso no aeroporto, comentou comigo, com um ar de inveja: "Nós também queríamos uma torre do tipo que o senhor tem, mas, o preço é proibitivo para nós". Em outra ocasião, voltei a cruzar com o mesmo numa festa por aí, e ele virou a cara comigo! Mas, como uma instituição pública da administração direta pode fazer uma denúncia baseada em falso motivo? É inacreditável!

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazõnia (INPA), fundado em 1954, é a única entidade oficial de pesquisa da Amazõnia existente no Brasil. Até então, as pesquisas sobre fauna e flora dessa região eram realizadas por cientistas que vinham de São Paulo. Na época, pelo que sabe, só existia na cidade de São Paulo um órgão de pesquisa científica biológica de nível de pós-graduação no país. Em todo território nacional, eram poucas universidades que mantinham o curso de entomologia, como ocorria, por exemplo, na Universidade do Paraná. Era mesmo inexplicável o fato de não existir nenhuma instituição especializada, atuando na própria região onde se encontra a mais rica biodiversidade do mundo, e esse quadro resultou na criação do INPA.

Mesmo assim, outros fatores adversos tinham de ser vencidos. Na época pós-guerra, o Brasil vivia situação econõmica muito melhor que a do Japão. Os cientistas pós-graduados recebiam salários pelo menos quatro vezes maior que seus colegas japoneses. A elite da época - nela incluídos os pesquisadores - nem pensava em se transferir para esta região longínqua, afastada de tudo que existia de modernidade e conforto nas regiões mais desenvolvidas. Talvez, eu, que tenho apenas a escolaridade média, cursada na Escola Secundária de Ohta, Província de Gunma, no Japão, não seja a pessoa mais indicada para avaliar, mas, parece lógico que, naquelas condições, as pessoas que vieram para cá dificilmente seriam as mais qualificadas, provavelmente não eram os melhores da época.

A partir da realização da Conferência Mundial do Meio-ambiente, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992 (Rio-Eco 92), o Brasil passou a adotar uma política de maior restrição às pesquisas científicas realizadas pelos estrangeiros no país, e em conseqüência dessa política o INPA veio a se tornar, praticamente, na única instituição de pesquisa científica existente na Região Amazõnica. Se um cientista ou instituição estrangeira desejar fazer alguma pesquisa, é necessário fazê-la associando-se a esta única instituição oficial. Portanto, pode-se dizer que o INPA é a "cara" da Amazõnia. E não consigo entender como esta conceituada instituição, com seu corpo de cientistas também conceituados, por simples inveja de algum de seus agregados, pudesse promover esse tipo de concerto ilícito contra uma simples pessoa física como eu. Ou será que ainda estou com o complexo de inferioridade sobre minha escolaridade?

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Veio o ano de 2002 e, já no mês de março, ocorreu a substituição do diretor do INPA. Pouco antes da sua posse, tive a oportunidade de conhecer este novo diretor do INPA, através de um amigo comum. Numa festa realizada na residência deste amigo, casualmente fui apresentado ao novo diretor e, naturalmente, o assunto da conversa se inclinou para o meu "caso" e a minha torre. "Soube que meus insetos confiscados pela Polícia Federal estão sendo identificados por sua instituição. E está demorando muito. O senhor poderia verificar o andamento deste caso para mim?", indaguei. No Brasil é comum resolver as coisas através de conversas informais - como acontecia naquela festa -, do que ficar à mercê da morosidade do caminho oficial, emperrado pela burocracia. E comentei, ainda: "Não sei até quando a Polícia Federal vai deixar aquela torre neste estado. Isso é um desperdício. É fácil deslocar aquilo. É só retirar os parafusos da base e, com utilização de um guincho, pode ser transportada com muita facilidade para qualquer lugar".

Aquela minha orientação foi providencial porque, após duas semanas daquela festa, fui informado por um conhecido conterrâneo, residente próximo ao local de instalação da torre, que, surpreendentemente, a torre foi removida. Vale esclarecer que o local onde se achava instalada a torre é uma área rural denominada Colõnia Japonesa Efigênio de Sales, fora do perímetro urbano de Manaus. Seus moradores são todos meus conhecidos. Um deles informou-me: "Hoje estava passando perto do local e encontrei a cerca danificada. Então resolvi entrar na mata para ver a torre e não encontrei nada".

Imediatamente fui averiguar na Polícia Federal sobre o caso, acompanhado de advogado. Então o responsável disse: "Ah, sim! Aquela torre foi removida do local para atender uma solicitação feita pelo INPA", ao mesmo tempo em que exibiu o documento, em uma folha de papel. Nela estava escrito algo como: "Houve furto de motores e sensores que faziam parte da torre. Como não podemos nos responsabilizar pela guarda estando naquele lugar, solicitamos a transferência ao terreno destinado às pesquisas desse Instituto. Além disso, o proprietário do terreno onde está a torre, também está reclamando e as despesas com a transferência ficarão a cargo do instituto de Pesquisas da Amazõnia".

Deve ser dito que eu ignorava a remoção da torre porque, por recomendação do advogado, eu evitava ir ao local, sobretudo com a preocupação de ser acusado da tentativa de destruição de possíveis provas, pois há um posto de fiscalização policial na saída da cidade. Pela legislação brasileira, estando o caso ainda sob investigação, é necessário obter a autorização para se ausentar da cidade por mais de uma semana. Ora, uma eventual ida até o local da torre não se enquadra nesta proibição, mas, é melhor ser precavido. Além disso, o proprietário do terreno onde se encontrava o equipamento é um imigrante bem sucedido e meu amigo, portanto, não era crível a informação de que o mesmo estivesse reclamando, como afirmou o INPA naquele documento. Então solicitei ao mesmo que pesquisasse entre os moradores da redondeza alguém que tivesse testemunhado a transferência da torre. Após alguns dias de espera, conseguimos uma testemunha que afirmou: "Estavam acompanhando a equipe de trabalho, dois nikeis num Fiat vermelho." Eu sabia que aquele PHD, novo diretor do INPA, possuía um Fiat vermelho. Seria mera coincidência?...

Passaram-se mais de nove meses do incidente e, finalmente, retomei um pouco mais de tranqüilidade para analisar friamente o caso. Passei a rever as matérias dos jornais, e os depoimentos dos envolvidos, que na época me passaram despercebidos. Com o apoio de amigos comecei a reler os jornais escritos em português, e assim descobri um pronunciamento feito pelo Doutor WARWICK STEVAM KERR, então Diretor-Presidente do INPA, em um jornal que circulou uns dez dias após o incidente. Este diretor é um cientista com especialização em pesquisas sobre vespas, e sua posição se equipara à de um reitor de Universidade Federal. Essa pessoa tão culta declarava: "Hashimoto é culpado e aquela torre, em poucos dias, passará a nos pertencer". O que é isso! Naquela fase do inquérito o INPA figurava como simples depositário fiel dos itens apreendidos, ou seja, mero responsável pela guarda dos mesmos. Assim sendo, era inacreditável que, sendo ele o presidente, o cabeça de uma renomada instituição, fizesse uma declaração como esta aos repórteres jornalísticos. É realmente espantoso afirmar que os objetos apreendidos em uma investigação policial, antes mesmo do seu julgamento possam ser incorporados ao patrimõnio de uma instituição pública. Contudo, é induvidoso que ninguém faria tal afirmação se não estivesse munido de certeza ou confiança sobre o caso.

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Fiquei muito surpreso, também, quando examinei um laudo emitido por INPA, divulgado em matéria de jornal que circulado poucos dias depois da festa que mencionei acima. No referido laudo constava que os espécimes de insetos apreendidos "são, sem dúvida, para fins comerciais e provavelmente destinados ao comércio ilegal". Afirmava ainda, o mesmo laudo que "suspeita-se que este sujeito tenha contato com o comerciante ilegal estrangeiro preso recentemente", referindo-se à prisão de estrangeiro, divulgado justamente no dia da mencionada festa, onde um grupo de 6 suíços fora detido no aeroporto de Manaus, tentando embarcar com uma quantidade expressiva de espécimes ilegalmente retirados da natureza amazõnica. Posteriormente fiquei sabendo que a divulgação dessas conjecturas partiram de um pesquisador do INPA, de nome Wellington, o qual teria feito tais declarações ao jornal. A conclusão a que cheguei é que, aparentemente, o próprio pessoal do IMPA estava alimentando o noticiário adverso.

Também pelas leis brasileiras, se o fiel depositário fizer a solicitação, alegando algum motivo supostamente justo, por exemplo, para testar a funcionalidade da torre, a justiça permite o seu uso, até a decisão judicial. Assim, penso que pela primeira vez, passei a entender a realidade da situação, a verdadeira razão dos acontecimentos. Passei a entender, com justa razão, que tudo fora cuidadosamente planejado desde o início, tudo fora urdido às esconsas, com o só objetivo de expropriação, de odioso confisco das torres de observação que eu legitimamente havia importado e instalado em uma propriedade particular.

O pior de tudo foi conviver com a desconfiança que daí emerge, de que, por trás de tudo, estariam pessoas ligadas a uma respeitável instituição federal de pesquisa científica. Seria esta uma conclusão absurda, totalmente errada? Parece improvável, mas também, não se pode afastar por completo essa possibilidade, haja vista que o inquérito policial contém alguns indicativos nesse sentido, os quais haveriam de ser esclarecidos, não fora ordem judicial de trancamento do inquérito, já no ano de 2.007, em razão da prescrição do suposto delito investigado.

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Capítulo VOS ATAQUES CONSECUTIVOS

Eu sou um profissional dedicado ao estudo dos insetos. Não tenho muitas virtudes, mas sou extremamente perseverante. Ã noite, quando vou dormir, mesmo com os carapanãs (pernilongos) voejando ao redor, não necessito de inseticida nem do espiral. Fico quietinho e imóvel, concentrando toda sensação do corpo até que consiga detectar onde está o bichinho e seu movimento; em seguida mato-o certeiramente. Muitos ficam até impressionados com essa minha capacidade. Não há segredo nenhum. É só saber onde está seu inimigo e qual o padrão do seu comportamento. Posso achar com certa facilidade aqueles minúsculos bichinhos camuflados nas plantas, e quando descubro uma borboleta predileta pousada à minha frente, consigo ficar imóvel mesmo que uma abelha venha a pousar na ponta do meu nariz. Ainda não sei ao certo quem tramou contra mim e minha torre. O que posso fazer agora é somente esperar. E isso eu sei fazer muito bem.

No sistema legal do Brasil uma investigação policial deve ter a duração de trinta (30) dias, pois este é o prazo estabelecido para a conclusão do inquérito. A própria lei prevê o alongamento ou a prorrogação desse prazo, em casos justificados, porém, certamente não se admite um processo eterno, pois a própria Constituição Federal brasileira garante ao cidadão o direito de ser julgado e de ver o seu processo concluído dentro do princípio da razoabilidade. Porém, no meu caso, o que deveria ser duração razoável se transformou em quase oito anos de espera, de indefinição e de sofrimentos. Ora, passaram-se os primeiros 90 dias e a investigação não foi concluída. Prorrogado por mais noventa dias, também não se chegou a nenhum desfecho, e assim sucessivamente, sempre ocorrendo as prorrogações do prazo, ao argumento de que não se concluíram os exames periciais. Depois de quase dois anos de prorrogações, o novo motivo alegado passou a ser a necessidade de se investigar a suspeita de sonegação fiscal, a substituição do delegado presidente do inquérito, as férias, licenças ou afastamentos dos funcionários encarregados da investigação, etc., etc., etc...

Em dezembro de 2002, aconteceu novo incidente no local onde estava a torre instalada originalmente. Após a remoção havia ficado no local um transformador de energia elétrica, não sei por que razão. Naquele mês de dezembro fui avisado por um conhecido, morador da Colõnia Efigênio de Sales, que o transformador havia desaparecido. Felizmente um ex-policial havia testemunhado o incidente e havia anotado o número da placa do pick-up de marca Toyota que transportou o transformador. Então, eu registrei uma queixa na Delegacia da Polícia Civil do Estado do Amazonas que tem competência legal para atuar nesses casos, e não a Polícia Federal.

No inquérito policial aberto pela Polícia Civil foi identificado facilmente o proprietário do pick-up, como sendo o Chefe do Departamento de Animais Invertebrados (inclui os insetos) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazõnia (INPA), e nome José Albertino Rafael. Chamado a explicar-se na Polícia, o senhor Rafael apresentou um Ofício do INPA informando que havia transferido o equipamento para preservar a prova material do caso. Na verdade, como firma de legitimar a ilegal retirada do equipamento de uma propriedade particular, haviam forjado uma justificativa tardia, encaminhando um ofício à Policia Federal, em que diziam ter agido sob orientação da própria PF, pois o transformador "passaria a integrar o material apreendido pela Polícia Federal e depositado no INPA" (Ofício 571/2002-GDIR/INPA, datado de 13.12.2002). Porém, a lógica dos fatos desmente essa manobra, já que a torre fora apreendida em agosto/2001 e removida em abril/2002, enquanto que o transformador foi retirado furtivamente, ente o final de novembro e o início de dezembro do mesmo ano. Portanto, não tem sentido, nem era legal, a remoção do equipamento elétrico tanto tempo depois, até porque, se o mesmo não estava apreendido (e nem poderia estar, pois não há qualquer ilegalidade na instalação de um transformador elétrico em propriedade rural particular) a sua retirada constituiu inegável prática de furto. Contudo, até hoje não se conhece o desfecho do inquérito aberto para apurar o furto do transformador, o que induz à conclusão de que foi abafado, pois a lei brasileira proíbe o arquivamento de um inquérito pela Polícia A mim, só restava ficar observando. Mas, somando-se dois mais dois, as ações praticadas pelos ocupantes de um FIAT vermelho e agora uma pick-up TOYOTA, ficou mais do que evidente o incomum interesse do pessoal do INPA pelas minhas torres.

Embora eu não possua conhecimentos jurídicos, entendi pelos relatos dos advogados que o prazo para a investigação é de 90 dias, assim como o prazo para abrir o processo judicial é de 2 anos. Mas, estava chegando o verão de 2.003 (que no Japão vai de junho a agosto) e, já decorridos dois anos desde que me fui submetido àquela investigação policial, eu passei a imaginar que o caso estivesse chegando ao fim. Grande engano! O meu advogado foi à Polícia Federal e trouxe mais uma novidade. O chefe da polícia disse-lhe que: "Nós já terminamos a nossa parte. Queremos encerrar o caso, mas, por determinação superior de Brasília, a investigação vai ser mantida por mais tempo".

Brasília significa o Governo Federal. Em julho de 2002 um grupo de parlamentares da Comissão de Meio-ambiente da Câmara dos Deputados visitou ao Amazonas. Nessa ocasião, foi noticiado nos jornais que o INPA apresentou ao grupo de parlamentares que estava se preparando para processar um biopirata japonês chamado Hashimoto. Ora, sendo o INPA um órgão de pesquisa científica, e não de investigação criminal, acredito que isso comprova a posição inimiga desta instituição contra mim.

Nesta mesma época, era noticiado no Brasil inteiro que estaria ocorrendo a evasão da riqueza biológica incluindo DNA da fauna e flora amazõnica, lesando o país em mais de 1 milhão e 600 mil dólares por dia. Os jornais instigavam a opinião pública, fazendo surgir o Nacionalismo Ambiental entre a população. Parece que me fizeram de bode expiatório diante desse movimento nacional, apontando-me como o "bandido biológico" que desviava a riqueza natural da Amazõnia para exterior. Infelizmente eu nem posso reclamar, pois sou um imigrante e temo ser mandado de volta. Diante da tempestade de nacionalismo, não há o que fazer, a não ser calar-me. Em qualquer país, o nacionalismo busca um alvo, uma válvula de escape. Os políticos, a polícia, a mídia, todos procuram uma ovelha para sacrifício. Eu era a coitadinha da ovelha que na ponta do nariz tinha pousada uma abelha, sem poder fazer nada.

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A partir do final de 2003, começaram a acontecer alguns incidentes estranhos. Em 2 de dezembro desapareceu do meu escritório, alugado na Câmara de Comércio e Indústria, parte de minha documentação fiscal. Num pequeno intervalo de tempo, cerca de 10 minutos, que me ausentei da sala para levar lixo até a rua, sumiram algumas folhas do meio de uma pilha de papéis. Uma semana depois desse incidente, recebi uma fiscalização da Receita Federal. Devido à falta daqueles papéis, tive que pagar novamente os impostos no valor de quase 10 mil dólares. Não foi fácil. Mas, nesta terra, a culpa é de quem é roubado. Até que o fiscal da Receita foi simpático comigo, talvez por saber que não havia outra saída, a não ser o novo pagamento de impostos. Fiquei sabendo posteriormente que houve uma denúncia anõnima, de que o Hashimoto estaria sonegando os impostos. Talvez mais uma ação do inimigo oculto, já que a Polícia Federal não conseguia elementos para me incriminar por contrabando. Porém, a sonegação fiscal é da alçada da Receita Federal, e a esta, o que importa é o recolhimento dos impostos, de modo que, depois de confirmar o pagamento da primeira parcela do suposto débito, emitiu a Certidão Negativa, atestando a inexistência de débito fiscal. Mas, que alívio!

Duas semanas após o pagamento da última parcela, o museu recebeu uma visita inesperada de uma dupla de assaltantes. Como eu não estava na hora, a dupla amarrou a minha esposa e tentou arrombar o cofre. Mas eu estava prevenido para este tipo de incidente, não deixando nenhum documento importante no cofre. Caso contrário teria perdido documentos importantes. Uma semana depois desse fato, por coincidência ou não, foi a vez de Polícia Federal convocar-me para esclarecimentos sobre dívida com a Receita Federal. Dirigi-me à PF, munido de cópias autenticadas, previamente preparadas, de todos os documentos necessários.

A maior surpresa minha foi o comportamento da minha esposa, que nem ficou abalada com o assalto, enviando por e-mail o relato dramatizado do caso para amigas do outro lado do globo terrestre. Para virar esposa de um homem como eu, talvez seja um dom natural que eu desconhecia. Contudo, foi um alívio para mim. Não saberia o que fazer, se ela chorasse, exigindo o retorno imediato ao Japão. Fatos dessa natureza são realmente inacreditáveis para o padrão japonês. Além desse incidente, ocorreram por diversas vezes o extravio inexplicável de documentos na própria polícia. Eu ficava surpreso com esses acontecimentos, porém, seguindo conselhos de diversos amigos, adquiri o hábito de providenciar, em cartório, as cópias autenticadas de todos os documentos importantes. Sucederam-se muitas exigências para apresentação de documentos, tais como: de impostos, de armas, certidões, comprovantes, etc. Mas o pronto atendimento a todas essas exigências, graças a meus cuidados prévios, logo fez cessar esse tipo de controle.

Dessa maneira o tempo foi passando, e, não sei por que razão, o limite de tempo do meu "processo" foi estendido para quatro anos, o dobro do tempo estabelecido pela lei, segundo entendi pelo meu advogado. Na verdade, eu não compreendia as explicações do advogado, não pela dificuldade de comunicação em português, mas porque não via coerência, nenhuma lógica. Assim, no final do outono de 2.003 (setembro a novembro no Japão), tomei uma decisão muito acertada. Substituí o advogado que vinha acompanhando o caso.

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Capítulo VIO SUPER ADVOGADO

Quem apresentou ao advogado Washington Magalhães foi também um amigo. Ele fora servidor da Polícia Federal e havia se aposentado recentemente, Pela sua qualidade, havia sido inclusive instrutor da Academia Nacional de Polícia, em Brasília, cidade onde exercia suas funções até o advento da inatividade. Depois de aposentado tornou-se advogado. No Japão também existem casos semelhantes. Fugindo um pouco do padrão brasileiro, ele é magro, tem olhos de ave de rapina e nariz de águia, lembrando um típico professor universitário. Sua fala é extremamente lógica, e por diversas vezes me interrompia quando eu tentava explicar alguma coisa: "Fique mais frio e fale logicamente!". Sempre usa óculos escuros, quando fora do prédio. É fácil notar que é um estudioso. Na verdade, sua área de atuação é criminal, mas antes mesmo de aceitar meu caso, adquiriu e estudou vários livros referentes à proteção florestal e à proteção do meio-ambiente, fiquei sabendo posteriormente.

O advogado Washington trabalhou rapidamente. Em menos de um mês, conseguiu levantar o nome do denunciante do caso. Um brasileiro chamado STING era, na época, funcionário do INPA, e havia encontrado com delegado da Polícia Federal alguns meses antes de começar tudo. Tal pessoa era simplesmente colega e amigo do pesquisador Rafael, aquele mesmo que transportou o transformador elétrico na sua camioneta Toyota. Cheguei a ouvir comentários de que STING também freqüentemente comparecia na Receita Federal, solicitando que eu fosse investigado. Depois, quando transferido para Delegacia de Proteção da Biodiversidade, havia mandado a guarda-fronteira investigar as supostas atividades ilícitas do Hashimoto na fronteira com a Colõmbia. Ah, então era esse o agente operacional? Mas, como é que esse novo advogado conseguiu levantar em tão pouco tempo, as coisas que nem eu, nem outro advogado não conseguíamos nem chegar perto? Ã minha dúvida ele responde com um sorriso: "No Brasil, nós temos nosso jeito de trabalho". Seu honorário era um valor muito alto. Mas, eu paguei sem reclamar nem um pouco.

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Pouco antes disso, houve uma situação em que a Polícia Federal conseguiu me acionar judicialmente. E não era relacionado com a prática de contrabando. A acusação era de que eu havia furtado um motor e um sensor elétrico que equipavam a torre apreendida pela Polícia. Esses acessórios, talvez por não saberem como usar, haviam sido deixado no local. "Eu roubei essas coisas?" De tamanha bobagem, era difícil acreditar que tinha sido processado judicialmente por este motivo. Novamente, parece inacreditável, mas um outro delegado federal, e não aquele encarregado do caso principal, através de uma denúncia alheia, havia aberto o inquérito independente do caso original. Enfim, este foi o único caso que eles conseguiram me levar para o foro.

A primeira audiência ocorreu em junho de 2005, e eu compareci ao fórum acompanhado por meu advogado, Dr. Washington. Ao abrir a sessão, de imediato o juiz do caso propõs um acordo. Que estranho! A proposta era de que, se eu reconhecesse a culpa, ele sentenciaria a suspensão condicional do processo e eu ficaria livre da acusação, desde que aceitasse a imposição de determinadas condições. Trata-se de uma medida processual prevista na Lei para os casos de crimes considerados leves. Consultado e orientado pelo advogado eu respondi: Não brinque! Eu estou sendo acusado por um furto que não cometi. Isso não é uma infração de trânsito. Como poderei aceitar isso, cedendo para um caso que nem sei quem denunciou, mesmo porque, após o incidente da apreensão dos equipamentos, eu jamais cheguei nem perto do local, em nenhuma ocasião. Assim, exigimos a continuidade do julgamento.

Normalmente não é revelado o autor da denúncia para o denunciado. Mas, o advogado Washington conseguiu o nome dos denunciantes. Um deles era RAFAEL, (do Departamento de Entomologia do INPA), que prestou depoimento como se fosse testemunha, quando, na verdade era o real interessado na causa, pois era o depositário responsável pela guarda do equipamento furtado; o outro era um desocupado chamado SADY, conforme citado por uma testemunha, mesma pessoa que, no fatídico 16 de agosto de 2.001, aparecera na televisão dizendo que havia vendido os insetos para o Hashimoto. Durante os preparativos para processo no tribunal, surgiu um incidente desagradável, pois foi constatado erro de registro, aparecendo em meu nome antecedentes criminais inexistentes, engano este que seria prejudicial ao julgamento. Contudo, diante dos protestos da defesa, o incidente foi prontamente corrigido.

Ao contrario do eu esperava, apenas uma audiência foi realizada naquele processo. Mas o advogado Washington esclareceu que era um rito especial, apropriado ao julgamento dos chamados delitos de menor potencial lesivo. Naquela audiência as testemunhas RAFAEL e SADY, ao serem indagados pelo juiz se confirmavam a denúncia feita contra Hashimoto, responderam que não tinham certeza que foi o Hashimoto, mas que era fato o desaparecimento dos objetos. Ou seja, os próprios denunciantes mudaram o depoimento perante a justiça, pelo que a promotora de Justiça se limitou a demonstrar seu ar de decepção. Como eu não havia reagido nenhuma vez, desde o início do caso principal até agora, talvez tenham imaginado que eu manteria essa conduta passiva. Mas, agora, diante do desempenho do advogado Washington, certamente os meus algozes ficaram surpresos.

O advogado Washington havia conseguido uma testemunha de fundamental importância, exatamente um policial federal que fora encarregado da investigação, o qual confirmou que HASHIMOTO jamais havia ida ao local onde ocorrera o furto, ali jamais fora visto por ninguém. Além disso, o Advogado estava preparando duas ações judiciais, uma de reparação por danos morais e outra, de natureza criminal, por crime de calúnia acaso houvesse tentativa de incriminação sem provas. Na legislação brasileira, a difamação e calúnia são tipificadas como crimes, estando prevista a pena de detenção. Assim, a única audiência acabou naquele dia, o que me levou a imaginar que a sentença fosse sair rapidamente.

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Mas essa minha expectativa acabou frustrada, pois a sentença não saiu tão cedo, aparentemente em razão do processo ter ligação com o caso principal, ou seja, enquanto não fosse este decidido, não seria anunciada a sentença. Neste raciocínio pensei: Como assim? Ao abrir o processo, nem levaram em conta esse detalhe; agora, para encerrá-lo, os dois casos são interdependentes? A verdade é que não consegui entender a sistemática processual, mas isto é um exemplo de prática cartorial, burocrática, bem característica do serviço público no Brasil. Já haviam transcorridos longos quatro anos desde que tudo começara, e a investigação do "contrabando" continuava sem novidades, ou seja, continuava a tramitar indefinidamente. Aquele prazo legal de dois anos se transformara em quatro anos, e já entrava no quinto anos sem que houvesse qualquer decisão.

"Não nasce galinha porque não há ovo?", ou, "não há ovo porque não há galinha"? É um bate-bola sem fim entre órgãos públicos, mas, já me acostumei, e com pouca coisa não me surpreendo. Ultimamente aumentou o número de meus amigos, através dos quais continuavam a chegar aos meus ouvidos mais informações sobre INPA. Por essas informações, pouco a pouco a situação foi ficando mais clara. Comecei a compreender que o verdadeiro inimigo não era a instituição, e sim, uma parte dela, talvez uma ação conjunta entre o departamento de entomologia e a turma da copa florestal, motivada pela cobiça das minhas torres.

Passado mais um ano chegamos ao mês de agosto de 2006, completando os cinco anos de indefinição, e nesse espaço de tempo a Polícia Federal não conseguiu reunir nenhuma prova que respaldasse a acusação "contrabando de insetos". Porém, o INPA continua a usar e a dispor das torres e dos equipamentos confiscados em nossa propriedade, comodamente utilizando-as em suas atividades de pesquisa, como se coubesse ao particular, e não ao Estado, a obrigação de prover os recursos materiais das instituições públicas. A sociedade científica não reconhece os trabalhos realizados com uso de recursos ilícitos, mas, pela legislação brasileira, em tais casos, a utilização da propriedade particular é perfeitamente legal. Contudo, parece que a munição do inimigo está acabando. Não tentaram mais nada. Mesmo assim, eu continuava mudando meu trajeto diariamente, e continuava atento à possibilidade de sofrer um atentado. Também continuei me resguardando quanto ao uso do telefone, nada falando sobre o caso, mesmo muito depois que desapareceram os ruídos estranhos. Todo esse drama já ficou fazendo parte da minha vida cotidiana. Meu filho mais velho na época tinha 19 anos de idade, hoje está com 25, e já nos ajuda na administração do museu. A caçula, a única filha, estuda biologia na Universidade Federal do Amazonas, UFAM. Acho que eles podem viver, mesmo que aconteça algo a mim. Agora, pela primeira vez, vou partir para o contra-ataque.

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Capítulo VIIO GOLPE DE MESTRE

A Justiça Federal do Amazonas parecia ver com absoluta normalidade o ilegal constrangimento que decorre da injustificável protelação do inquérito. Nem por isso se pode afirmar que todo magistrado seja amigo do inimigo. Porém, não é razoável nem aceitável tolerar essa procrastinação indefinidamente. Isso pode ser vantajoso só para "inimigos", pois o constrangimento e o sofrimento se agravam, quanto mais demorada seja a solução do processo. E, até aqui, não se pode esperar uma absolvição no processo por "contrabando ou biopirataria", pois este nem mesmo se iniciou, e o que existe é apenas um inquérito que se eterniza. Meu advogado Washington resolveu mudar de estratégia, que consistia em obter o trancamento do inquérito e a conseqüente restituição do material confiscado. Para tanto, ingressou com duas ações constitucionais de habeas corpus, a primeira no próprio juízo da causa (1º Grau), contra a Polícia Federal, que foi denegada e, a outra, perante o Tribunal Federal da 1ª Região, em Brasília, contra a Decisão do Juiz de 1º. Grau.

Se no plano regional a estória da galinha e do ovo parecia ser a tõnica, o móvel da protelação, no Tribunal federal de Brasília a história seria diferente. Mal comparando, é como se um agricultor do interior, na época dos samurais, fizesse um apelo diretamente ao SHOGUN da capital EDO. Essa decisão foi um tiro na mosca!. O recurso foi apresentado em Brasília no final de novembro de 2006, e para minha surpresa, o julgamento se concluiu já no mês de fevereiro seguinte. Considerando os quase seis anos de espera pela Justiça local isso foi extraordinário, quase inacreditável; até parecia coisa de Ayrton Senna, o falecido campeão de Formula 1, ídolo maior do povo brasileiro. A sentença foi também maravilhosa, pois o Tribunal reconheceu o demasiado prolongamento do inquérito, determinou o seu trancamento, declarando também que a Justiça Federal não era competente e ordenou a remessa do processo para a Justiça Estadual, onde deveria ser julgado a acusação de contrabando de insetos, que, aliás, já estava prescrita. A Decisão foi unânime, julgada pelos três Desembargadores Federais que compunham uma das Turmas de julgamento colegiado do. Por isso que, repito, foi realmente um Golpe de Mestre.

A decisão do Tribunal foi publicada no Diário Oficial da União no mês de março de 2007, e como não houve recurso, transitou em julgado e se tornou definitiva. De fato, não houve qualquer recurso contra aquela decisão unânime, porque, até mesmo a Procuradoria da República reconheceu as ilegalidades do inquérito e se manifestou pelo seu trancamento (significa extinção). Isto me foi passado pelo advogado Washington, que em seus comentários concluiu: "Hashimoto,foi uma vitória perfeita. Ainda bem que na Justiça Brasileira ainda se pode encontrar JUSTIÇA!". Para mim, significou que minha espera não foi em vão, principalmente porque, nesse caso, não existe a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Federal (STF), sendo, definitivamente uma decisão final.

Até chegar a este ponto, Nakashita por diversas vezes criticou-me por minha imobilidade. "Por que não reage?" às vezes se tornava em discussão realmente "quente". Eu dizia a ele: "Não podemos esquecer que nós somos imigrantes. Eles podem falar para retornar à terra natal, se não estiver gostando daqui. Por isso, nós devemos agüentar até o momento certo. Há pessoas corretas nesta terra, e a Justiça também não está totalmente perdida." E eu tinha razão. Após esta decisão da Justiça de Brasília, até aquele caso encalhado de furto de acessórios da torre finalizou rapidamente, com minha completa absolvição.

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Mesmo assim, depois da decisão de Brasília, ainda levou mais de um ano até conseguir a efetiva devolução da minha torre e de meus pertences confiscados. A ordem do Tribunal foi para encerrar imediatamente a investigação federal (por contrabando e sonegação fiscal). Acontece que a acusação de suposta captura e comercio ilegal de insetos, embora já estivesse prescrita, deveria ser examinada pela jurisdição Estadual de Meio-Ambiente. Essa foi a maior dificuldade, pois, embora fosse necessário apenas uma decisão, declaratória da extinção do processo, a falta de estrutura da Justiça, notadamente a falta de juízes, ensejou mais de um ano de espera. Até que, finalmente, os papéis chegaram onde deveria chegar e, já estávamos no mês de junho de 2008, quando se efetivou a restituição dos bens apreendidos e se decretou a extinção do processo, também pela jurisdição estadual.

Foi um caso muito estranho de atitudes do poder público, desde a infundada suspeita de contrabando, passando pela acusação de sonegação fiscal e de posse ilegal de armas. A tudo respondi prontamente, e exaustivamente comprovei minha inocência. Em todas as ocasiões consegui desfigurar as suspeitas, apresentando fartos elementos de prova, vasta quantidade de documentos, alguns deles que, por vezes extraviados no caminho, me obrigaram a repetir a comprovação, apresentando novas cópias autenticadas. O mais doloroso foi que a suspeita de contrabando da torre se transformou em outra acusação iníqua, a de haver furtado meus próprios equipamentos, sem que nem ao menos tenha tido acesso aos mesmos, pois estavam sob a guarda do INPA. Tudo isto, sem que eu nunca tenha tido a oportunidade de me defender em um processo judicial, porque apenas submetido aos abusos cometidos em um inquérito policial que se arrastou por quase oito anos.

Um ditado na minha terra diz: muitas dificuldades e obstáculos tornam-no uma bola sem arestas. A falta de exercícios físicos nestes 7 anos, transformou-me de um homem ágil que parecia um macaco subindo nas árvores, em um homem velho, gordo feito uma bola.

Jornal local traz a notícia da devolução dos itens confiscados em agosto de 2001. Estes materiais, após a apreensão, ficaram sob os cuidados do INPA, onde os espécimes de insetos estavam sendo identificados e colocados em exibição de asas. As caixas da foto contendo espécimes foram supostamente identificados e postos em exibição de asas por técnicos do INPA. Mais de 40% dos insetos foram danificados. (Jornal local de 19 de junho de 2008)

Jornal local de 19 de junho de 2008
Local Newspaper

O INPA ao receber a ordem judicial de devolução, ainda protelou, pedindo um período de 90 dias para estudo. Negado por mim, tentou atrasar a devolução, alegando a ausência do advogado deles. Acho que eles não querem devolver enquanto eu estiver vivo. Só me resta rir e lutar ao mesmo tempo. Finalmente, talvez percebendo que eu podia acioná-los na Justiça, por desobediência ou improbidade administrativa, decidiram a acatar a decisão judicial e devolver os meus equipamentos, como também o acervo de insetos do Museu de Ciência Naturais da Amazõnia, que se encontravam sob a guarda daquele Instituto (como Depositário), o que aconteceu no dia 18 de junho de 2008. Ainda assim, parte dos funcionários da instituição vem promovendo verdadeira campanha na mídia (rádios, jornais e televisão), fazendo propaganda negativa e xenófoba contra a decisão da Justiça, deixando clara sua insatisfação com a devolução dos bens ao seu legítimo proprietário. Tudo isto com o deliberado objetivo de provocar as instituições, e de fazer recrudescer a empedernida perseguição contra este humilde pesquisador autodidata, tal qual se empenharam por mais de sete anos.

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Espécime de borboleta colocado em exibição de asas por departamento de entomologia do INPA. Este exemplar está com papel parafinado colado na asa, na tentativa de reparar os danos. Nem os alunos da educação fundamental fariam um absurdo como esse.

Abaixo, a imagem da entomologista Cataria Motta, que diz estar triste.

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Um exemplar de AGRIAS posta em exibição de asas por Catarina Motta, do departamento de entomologia do INPA, que segundo ela custa milhares de dólares cada exemplar, está muito danificado. Quando confiscado não havia nenhuma falha sequer.

Mesmo assim, por interferência de meu advogado, a diretoria de um jornal houve por bem atenuar a agressividade dos textos. Quanto aos espécimes devolvidos estavam em condição lastimável. Difícil de acreditar que ficou aos cuidados de renomados especialistas em entomologia. Na verdade, a deterioração do acervo de insetos revelou que os especialistas do INPA não souberam ou não quiseram utilizar nenhuma técnica de manuseio adequado das espécimes, especialmente quanto ao seu preparo para exibição de asas, coisa que no Japão até os alunos da educação fundamental fazem como trabalho de férias escolares.

É importante relatar, ainda a reação da entomologista do INPA Catarina Motta, responsável pela guarda dos insetos, nos comentário que fez aos jornalistas, de que se sentia muito triste: "Estou muito triste por ter que devolver todo meu trabalho de identificação e fixação". Não brinque! Quem está realmente triste sou eu. Destruíram meus insetos.

No mesmo dia fui até o local para onde a torre fora transferida. Era o re-encontro, depois de sete anos. Esta torre, quando foi adquirida, o próprio presidente da empresa fabricante veio a Manaus, especialmente para ver a sua instalação. Que tristeza! Se ficasse na mão desse pessoal por mais alguns meses, com certeza teria virado um ferro-velho. O curioso é que, como depositários, tinham o dever legal de guarda e conservação. Como pode? Intimamente eu pedi perdão a "minha torre", pelo abandono a que foi relegada contra minha vontade: "Eu farei tudo para deixá-la como era antes". Pela lógica, como eles que a apreenderam e a removeram para ali, seria deles a responsabilidade de devolver ao local de origem. Contudo, eu não agüentava mais deixa-la ali por mais um dia. Então, contratei um guincho e a levei de volta para o jardim do museu, no dia 23 de junho deste ano. Minha sensação era de um pai que conseguiu reaver um filho seqüestrado.

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Um exemplar de borboleta em exibição de asas, executado por entomologista Catarina Motta. Não sei como consegue destruir tanto!

Porém o drama não acabou, pois continuam ainda os atos de perseguição. Basta dizer que, no mesmo mês de junho, um Promotor do Ministério Público Estadual propõs uma Ação Civil Pública, objetivando novo confisco do acervo de invertebrados do Museu. E, de novo, não tenho dúvidas que tal ação é influenciada por pessoas ligadas ao INPA, haja vista o noticiário adverso que promoveram, quando foram obrigados a devolver os insetos.

Agora, o argumento proclamado nesta nova ação judicial é de que os espécimes da fauna silvestre são de propriedade da União Federal. Além disso, a demanda visa também a minha condenação em reparação ambiental, não se sabe porque, já que não existe qualquer dano praticado por mim, além do mais considerando que o Museu e a Associação naturalista se encontram regularmente licenciados perante o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) e perante o Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

A gaiola da parte superior da torre retorcida.
É a imagem da torre que durante sete anos e onze meses, foi usada sem receber a manutenção devida.
Esta imagem da torre ferida é próprio retrato do meu sonho e da honra.

O pior é que isto aconteceu no me de junho, quando eu planejava visitar a terra natal, a fim de encontrar os amigos japoneses que ficaram preocupados comigo, como também prestar contas de tantos infortúnios e, ainda, adquirir novos instrumentos e peças de reposição, para a recuperação das torres. Mas, este propósito foi parcialmente frustrado, pois, pouco antes do meu embarque, tomei conhecimento dessa nova investida contra o nosso Museu. Na verdade eu não entendi nada, mas, há um dito popular segundo o qual "o bom cabrito não berra" e, assim, resta-me confiar no meu advogado, o Dr. Washington, que me tranqüilizou sorrindo: deixe comigo e vá para o Japão, Hashimoto".

A mim, parece que a "guerra" não acabou. Durante estes 8 anos, para mim que já estou caminhando para o fim da vida, foi uma perda de precioso tempo. As economias que havia conseguido em longos anos de trabalho desapareceram, dando lugar a um monte de dívidas. Mas, consegui sobreviver a esta fase graças ao apoio de muitos amigos e, por fim, ficou praticamente revelado o "Inimigo Oculto".

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Outro exemplar executado por Catarina Motta. É possível notar na asa esquerda inferior o reparo infantil.

Por óbvio que este inimigo oculto não se confunde com a instituição respeitável que é o INPA. Contudo, já perceberam os leitores que o inimigo oculto se corporifica num grupo de pessoas ligadas ao órgão; já perceberam que não se pode negar a existência de um grupo de pessoas que, solapando os ideais científicos e preservacionistas que a inspiram a sua criação, escudam-se na instituição para fomentar o conjunto de iniqüidades ora relatado.

Mas esta é uma herança rançosa e anacrõnica, que não tem abrigo no sistema democrático que hoje vigora no Brasil. A Amazõnia concentra a atenção do mundo, que está preocupado com a situação ambiental, e esse contexto não admite a ação abusiva de pseudo-cientistas, a subverter a harmonia de ações, a verdadeira proteção e preservação da Amazõnia, onde VIVO e AMO. Sobretudo, creio eu, isso não será permitido pelos verdadeiros cientistas.

(Shoji Hashimoto, de Tokyo, Japão - Julho de 2008)

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